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História

A Grande Depressão e o Grande Reservatório em Plains d’Abraham

Descubra a história pouco conhecida do Grande Reservatório de Água sob os Plains d’Abraham, em Québec — uma impressionante obra pública construída durante a Grande Depressão para combater o desemprego e garantir o abastecimento da cidade por gerações.

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Construção do Reservatório em Plains d'Abraham em 1932. Com a permissão de publicação do Arquivo da Prefeitura de Québec (Archives de la Ville de Québec), W. B. Edwards Inc. N000076.
Construção do Reservatório em Plains d'Abraham em 1932. Com a permissão de publicação do Arquivo da Prefeitura de Québec (Archives de la Ville de Québec), W. B. Edwards Inc. N000076.

Ao passear pelos Plains d’Abraham, em Québec, muitos se encantam com a vista do rio São Lourenço, os gramados amplos e a história das batalhas que moldaram o destino do Canadá. Mas poucos imaginam que, bem debaixo de seus pés, repousa uma das maiores e mais discretas obras de engenharia da cidade: o Grande Reservatório de Água dos Plains d’Abraham, inaugurado em 1932.

Mais do que um reservatório, essa estrutura monumental é um símbolo concreto — literalmente — da resiliência de Québec diante da Grande Depressão.

A Grande Depressão

Durante uma aula recente na faculdade de História sobre o Crash de 1929, aprendi algo que mudou a forma como vejo certas construções da cidade. Estávamos discutindo como os governos, diante da Grande Depressão, recorreram a uma série de medidas emergenciais para conter o desemprego e reanimar a economia. Uma das estratégias mais recorrentes foi a realização de grandes obras públicas, que além de melhorar a infraestrutura, criavam milhares de empregos diretos. Quer saber mais sobre as razões da Crise Econômica de 1929? Leia o artigo que escrevi para meu blog sobre o tema.

Minha professora comentou que, no caso de Québec, o início dos anos 1930 marcou o começo de uma série de projetos ambiciosos — vários prédios e estruturas icônicas da cidade datam exatamente dessa época. Entre os exemplos mencionados, um me chamou a atenção de forma especial: o Grande Reservatório de Água dos Plains d’Abraham. Um verdadeiro gigante escondido sob os gramados do parque mais famoso da cidade.

A quebra da bolsa de Nova York, em 1929, havia desencadeado uma crise econômica mundial. Em Québec, como em todo o Canadá, o desemprego disparou, famílias inteiras enfrentavam fome e instabilidade, e as autoridades buscavam formas urgentes de mitigar os efeitos sociais da crise.

Foi nesse contexto que surgiu a ideia de construir um grande reservatório de água sob os Plains d’Abraham, um projeto que unia necessidade urbana e alívio econômico.

Um Gigante Escondido Sob a História

Inaugurado em 1933, após dois anos de construção, o reservatório foi erguido sob os gramados históricos dos Plains d’Abraham, próximo ao atual Hôtel Le Concorde. À época, o projeto custou 512 mil dólares — valor que hoje ultrapassaria os 100 milhões — e foi totalmente financiado pelo governo federal como parte dos esforços para reerguer a economia canadense após a crise de 1929.

A obra teve também um papel social crucial: empregou centenas de trabalhadores e ofereceu uma alternativa digna em meio à pobreza que assolava o país.


Um Feito de Engenharia e Persistência

O reservatório é o maior entre os 27 existentes em Québec, com capacidade para 136 milhões de litros de água potável. Ele cobre uma área de 22.800 metros quadrados, sustentada por impressionantes 912 colunas de concreto. O sistema foi projetado com inteligência: sem o uso de bombas, a água é transportada por gravidade a partir da estação de tratamento da Rue de la Faune, passando por tubos que descem sob a rivière Saint-Charles e voltam a subir até as planícies, criando pressão natural para encher a estrutura.

Preparação do terreno para a construção do reservatório. A imagem mostra trabalhadores e carraças removendo entulhos do local.
Início da construção do reservatório em Plaines d’Abraham. Com permissão e licença do Arquivo Público da Cidade de Québec (Archives de la Ville de Québec): N000356.

Esse mecanismo abastece os bairros de Saint-Roch, Saint-Sauveur, parte de Limoilou e outros setores da Basse-Ville, servindo entre 50 mil e 100 mil pessoas diariamente.


Uma Maravilha Subterrânea Pouco Vista

Em funcionamento há mais de 90 anos, o reservatório passou por obras de manutenção preventiva em 2023, que incluíram a instalação de uma nova válvula mural de um metro de diâmetro e limpeza e substituição de parte da membrana de vedação externa. Durante as obras, parte da estrutura precisou ser esvaziada — um evento raro, aproveitado para visitas técnicas como a feita pelo então prefeito Régis Labeaume, que comentou, impressionado:

“É fascinante… Não posso acreditar que fizeram isso à mão, com cavalos e carroças!”

Apesar da idade, o reservatório se mantém em excelente estado estrutural, com mínimas fissuras reparadas e projeções otimistas: estima-se que possa durar outros 85 anos ou mais.


Alta Tecnologia por Trás da Simplicidade

Hoje, todo o sistema é operado à distância: técnicos e operadores controlam, a partir da estação da cidade, o nível da água, sua cloração e o abastecimento. Como o sistema é dividido em duas seções independentes, uma pode ser esvaziada e reparada sem interromper o fornecimento à população — um exemplo de projeto à frente do seu tempo.

Além disso, por operar com pressão e gravidade, o sistema não consome energia para bombear a água até os consumidores, o que o torna eficiente e sustentável.

Parte interna dos reservatórios em foto realizada em 1989. Com permissão e licença do Arquivo Público da Cidade de Québec (Archives de la Ville de Québec). Direitos Reservados (Droits réservés): Ville de Québec: N029267.

Muito Além da Engenharia

O reservatório é uma das várias obras públicas lançadas no início dos anos 1930 em Québec. Junto dele, surgiram o Palais Montcalm, o antigo Colisée de Québec e até mesmo o cais da travessia Québec-Lévis.

Essas obras foram mais do que concreto e aço: foram políticas públicas de emergência, uma resposta inteligente a um dos períodos mais difíceis da história contemporânea.


A história do Grande Reservatório dos Plains d’Abraham vai além da engenharia — ela fala de resiliência, visão e solidariedade. Enquanto o mundo afundava em crise, Québec cavava fundo — literalmente — por soluções duradouras.

Na próxima vez que caminhar pelas planícies, lembre-se: sob seus pés, há não só água potável, mas também memórias de uma época em que se construiu com esperança, engenho e coragem.

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Fontes e Referências

Réservoir sous les Plaines: hommage au génie des années 30. Jornal Le Soleil. Por Par Jean-François Néron.. Disponível em: https://www.lesoleil.com/2017/12/01/reservoir-sous-les-plaines-hommage-au-genie-des-annees-30-a593077ba0ebc50d838f3d7838805614/. Acesso em 11/04/2025

Le plus grand réservoir d’eau potable de Québec à moitié vidé. Radio Canada. Por Louis-Simon Lapointe. Disponível em: https://ici.radio-canada.ca/nouvelle/1956323/bassin-aqueduc-municipal-parc-citerne. Acesso em 11/04/2025.

La Grande dépression des années 1930. Histoire du Québec et du Canadá. Disponível em: https://histoire.recitus.qc.ca/periode/explorer/1896-1945/page/la-grande-depression-des-annees-1930. Acesso em 11/04/2025.

Le réservoir d’eau, un autre secret des plaines d’Abraham. Mon Montcalm. Por Thomas Verret. Disponível em: https://monmontcalm.com/2023/entrailles-reservoir-plaines-abraham/. Acesso em 11/04/2025.

Plaines d’Abraham. Prefeitura da Cidade de Québec. Disponível aqui. Acesso em 11/04/2025.



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William é brasileiro, nascido na cidade de Feliz, no interior do Rio Grande do Sul. Mora em Québec desde 2019 e é estudante de História, Arqueologia e Ciências da Religião pela Universidade Laval, de Québec. Também possui formação na área de tecnologia e de línguas antigas. É o apresentador do canal Québec em Foco no YouTube e também do Café com História do podcast Conexão Québec.

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